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27.7.2010 | 9h 43m
Crônicas Apissianas 2010 – Série D – Suassunianas II


No avesso de um espelho claro
No chicote da barriga do boi
No mugido de uma vaca mansa
Foragido como judas em paz
A pessoa que você mais ama
No planeta vendo o mundo girar
(Zé Ramalho, jardim das Acácias).

Amigos há dias que precisam ser registrados. Um dos elementos da epopéia é exatamente essa dimensão exagerada, que transfere uma grandiosidade, uma grandiloqüência que passa uma dimensão sobre-humana. Daí advém o fascínio humano pelos heróis, figuras mitômanas em especial aqueles semi-deuses gregos, tipo Aquiles e Hércules. Em que pese toda a humanidade dos deuses, como Zeus, Afrodite, Hera e Cia., capazes das vilanias mais mesquinhas, Aquiles e Hércules, na qualidade de semi-deuses, vez que filhos de uma relação entre deuses e mortais, são em geral figuras mais adequadas ao imaginário do povo, e iniciaram a tradição ocidental dessa figura do herói, que ainda hoje fascina. Isso pode ser visto no recente remake de Fúria de Tiãs, filmete meia boca de minha adolescência hoje parametrizado com requintes de efeitos visuais e tecnologia 3D, para se transformar em mais um blockbuster hollywoodiano. Aliás, é Hollywood nossa mantenedora de heróis e vilões, nossa fábrica de mitos que não raro se alimenta das HQ´s (histórias em quadrinhos) para perpetuar esse nosso instinto pelo sobrehumano. Com isso criamos os super-homens, homens-aranhas, homens-morcegos e mulheres maravilhas e gatos e etc. Mais sofisticados são os X-men, como os mutantes que serão a nova geração da humanidade. Envolvidos nessa mitologia moderna nos distanciamos de nossa realidade e, em alguns casos, até tentamos compor ambas visões como no caso do filme Besouro, que o herói é um capoerista de relato de história oral com direito a balé de coreógrafo hollywoodiano (Hiuen Chiu Ku, de Kill Bill, Matrix e o Tigre e o Dragão). Mas é na nossa literatura que ainda encontramos refúgio, como trincheira de nossa cultura que recebe nossos sacis, curupiras, caiporas, pedros malazartes, macunaímas e nossos já citados João Grilo e Chicó.
Mestre Ariano Suassuna é uma figura ímpar. Por si só é uma personalidade mítica. Suas “aulas-espetáculo” são disputadíssimas não só no meio acadêmico. Uma de suas cismas é exatamente a negação dessa influência ianque em nossa cultura. É delicioso vê-lo falar que americano chama copo de glass: “Vejam vocês. É só vocês olharem pra isso aqui (mostra o copo) e ver que não tem nada de glass. Qualquer criança sabe que é um copo de vidro!”
Assim, nessa guerrilha anti-hollywoodiana, João Grilo e Chicó são oficiais de alta patente, exatamente pela força do texto de Susassuna, que consegue atingir o imaginário popular.
Ora o imaginário popular.
Quem mais alimenta esse ente na criação de mitos do que o futebol? Sejam como heróis ou vilões. Mais vilões, recentemente...
Pois tal como nas pinturas grandiloqüentes dos retratistas de imperadores, o céu da princesa do sertão afastava a possibilidade de chuva naquele fim de tarde e se trasmutava em um painel impressionista em cores gremistas (azul e o branco e cinza das nuvens) com retoques de dourado do sol de entardecer. Sim, senhores, a natureza sabe que é necessário emoldurar convenientemente os lugares onde o épico deve acontecer. E assim o foi neste domingo. E assim haverá de o ser em cada batalha fraticida desse grupo A-5 da Série D. Ontem degladiavam-se Feira de Santana e Campina Grande. Bahia X Paraíba. Quitéria X Quaderna. Pedra do Descanso X Pedra do Reino. Tiquaruçu X Taperoá.
O Treze, campeão paraibano, folha salarial duas vezes maior que a do Flu, se espalhou pelo estranho gramado do Jóia. Aliás, cabe aqui uma ressalva. Em que pese as chuvas caídas, o aspecto do nosso estádio é de total abandono pelo poder público. Gramado péssimo, placar quebrado e destruído, torres de iluminação sem vários refletores, pintura desfeita. Triste.
Mês dizíamos que o Treze se espalhava e, na pedra de turmalina, e no terreiro da usina pareciam criados. Voavam por toda área e num contra-ataque condenado eu me calei. Treze 1 X 0, fácil. Êêô vida de gado... O Touro parecia marcado, ê. E o povo, infeliz. João Grilo estava presente sim, incorporado em Cléo, o pequenino atacante paraibano que infernizava a zaga tricolor.
Mas, rebuscando a consciência, perdendo o medo de arriscar até o meio da cabeça da área adversária, o Flu, talvez inspirado no belo arco-íris que emoldurava o céu de pintura, girou na carrapeta, no jogo de improvisar
Entrecortando, Sadrack seguiu dentro a linha reta numa falta de fora da grande área e deixou o goleiro paraibano imóvel como a Pedra do Reino.
Flu 1 X 1, prá doutor não reclamar...
Mas o jogo seguia morno, o Treze acomodou-se e o Flu parecia perdido com Ribinha sem conseguir cortar para esquerda e insistindo em partir pro meio e com Cicinho ciscando como uma graúna, mas sem objetividade alguma.
Assim acabou o primeiro tempo, para alegria da pequena torcida paraibana ali à esquerda das cabines. Volta o segundo tempo e em cinco minutos o Touro vem à tona e sua ira é intensa. Numa jogada tramada pelo estreante Valdo, que entrou no meio campo, Cicinho recupera o João Grilo e acerta um chutaço cruzado da entrada da área. Flu 2X1, Incantado e Aruá.
As diatribes de João Cicinho Grilo, que corria ora pela direita, ora pela esquerda deixavam os dois armários da zaga do Treze mais perdidos do que o Bispo e o Padre do Auto da Compadecida. Quem pagou o pato foi o padeiro, quero dizer o volante Pio, que levou o vermelho para desespero da torcida do Flu. Sim, da torcida do Flu, porque o Touro está com uma maldição do cartão vermelho que faz com que toda vez que o outro time perde um jogador o Flu tome um gol. Com efeito, bastou uma inocente bola alçada na área, e o João Grilo mudou mais uma vez para Taperoá, com Cléo de novo aparecendo na frente de Aloísio, raspando de cabeça a bola cruzada e indo fazer cambalhotas junto da pequena torcida paraibana. Treze 2X2 Flu...
E foi-se o silêncio que habitou-se no meio do Jóia. Mesmo a bateria da Falange ficou parada por alguns instantes.
Em campo, o Treze fazia jus ao nome, pois parecia haver treze jogadores com camisa listrada correndo, e não dez, como de fato havia.
Mas aí os contornos de epopéia se desenham. O Flu, até então apático, investiu suas hostes sobre os paraibanos, ainda que embolando pelo meio, quando a torcida se esgoelava pedindo para o João Grilo Cicinho abrir nas pontas. E após uma pressão fantástica, uma falta encheu de esperança a torcida. De novo, Sadrack se posiciona, agora pela direita, excelente para bater de pé trocado. Mas no Flu nada é fácil. Numa batalha epopéica como esta, também não. E a bola explode no travessão e sobe às alturas para cair certa na cabeça de Valter, vulgo Oliveira, e decretar o triunfo taurino. Flu 3X2, aos 43 do segundo tempo.
Desnecessário dizer que os mil e quinhentos privilegiados presentes ao Jóia explodiam de felicidade.
Quanto ao Treze, só nos resta pedir que deixe a porta aberta quando for saindo.
Você vai chorando e  eu fico sorrindo.
Nesse domingo meus caros, mitos foram criados. E pelo menos dois heróis foram forjados, a ferro e fogo: Sadrack Chicó e João Cicinho Grilo. Juntaram-se aos super-homens do último jogo, Aloísio e Júnior, o Gaúcho. Resta saber quantos panteões deveremos erguer a nossos semi-deuses, pois a mim me parece que estamos vivenciando uma nova Odisséia...
E quem sabe talvez o Flu não esteja agora incorporando esses heróis enquanto super-homens não os dos quadrinhos, mas no sentido Nietzschiano do termo, com esse processo contínuo de superação, através da vontade de potência...
Oh eu não sei se eram os antigos que diziam, mas em seus papiros Papillon já me dizia...
Que nas torturas toda carne se trai, e normalmente, comumente, fatalmente, felizmente displicentemente o Touro se vai...

Cristóvão Cordeiro – é professor, engenheiro, torcedor taurino e acha que Zé Ramalho, paraibano de quem emprestamos vários versos na crônica é o Bob Dylan do nordeste.
 

 
rafael@blogdovelame.com
Envie Comente Ler Comentários ( 4 ) 
 
 
Samuel Oliveira escreveu:
Sensacional. De se lembrar, ainda, que rezamos muito quando aos 47 minutos do segundo tempo outro jogador do Treze foi expulso, pois pelo retrospecto mencionado por Cristóvão fatalmente cederíamos o empate, mas, como o Treze menos 2 é 11, a maldição não se fez, pois o Touro estava igualado em número de jogadores em campo! ÊÊÊ TOURO INCANTADO E ARUÁ!!!!
 
 
Marcell escreveu:
Sadrack está mesmo se tornando um herói desse time do Fluminense... Parabéns a ele e parabéns a nós, privilegiados presentes ao Jóia.
 
 
jefferson matos escreveu:
A cada jogo ficamos esperando estas maravilhosas cronicas que além de nos divertir ,nos dá uma aula de conhecimento
 
 
H . Filho escreveu:
Belo texto, bela vitoria, belo dia e que isso não acabe tão cedo. Espero o proximo assim sendo com uma vitoria tricolor sobre o CRB. Parabens Cristovão
 
 
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