Por Daniele Britto*
Um dia como tantos outros, Cristo, o maior sábio que já viveu – na minha opinião – falava à multidão através de parábolas que também, na minha opinião, é a maior liberdade que se pode dar a um indivíduo para que o mesmo faça juízo ou reflita sobre algo.
E lá estava Jesus, sentado no meio do povo, contando uma história não muito diferente das que ouvimos hoje: um homem plantou uma vinha que arrendara a lavradores com o intuito destes lhes devolverem a parte que lhe era devida no final da colheita. Porém, os lavradores tomados por uma ganância sem igual, feriram e mataram alguns dos funcionários do homem que foram fazer as cobranças da parte dos frutos. Nem seu filho foi poupado, restando-lhe nada além da morte.
Enquanto falava, Cristo percebera que naquele lugar pessoas estavam incomodadas com a sua fala, pois, a parábola feria a reputação de alguns homens que ali estavam. Porém, como estes não possuíam poder de argumentação, chamaram os instruídos fariseus para afrontar o Cristo e tentar pegar o mesmo em contradição, mais popularmente conhecido como a “boca na botija”. E a ele cinicamente perguntaram: “Mestre, sabemos que és homem de verdade, e de ninguém se te dá, porque não olhas à aparência dos homens, antes com verdade ensinas o caminho de Deus; é lícito dar o tributo a César, ou não? Daremos, ou não daremos?”
Cristo, então, conhecendo hipocrisia dos arguidores, disse-lhes: Por que me tentais? Trazei-me uma moeda, para que a veja. E eles trouxeram. Então Jesus replicou: De quem é esta imagem e inscrição? E eles lhe responderam: De César. Cristo finalizou com a seguinte conclusão: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
Creio que o nosso César hoje chama-se Constituição Federal, a qual nos resguarda direitos e deveres perante o Estado e a sociedade. E é justamente o Supremo Tribunal federal que tem o dever de respeitar e proteger a Constituição.
Em 1916, o Código Civil que regia a nossa vida social era extremamente patrimonialista, ou seja: a união entre duas pessoas era pouco além da soma de patrimônios que era transmitida à prole por gerações e gerações. O casamento só existia para acumular bens. Creio que esta seja uma herança feudal ou algo do gênero.
Porém, assim como a nossa sociedade, o conceito de família evoluiu e começou a olhar as partes individualmente, valorizando a dignidade a ética e acreditem, o subjetivo afeto.
E é este afeto que a nosa lei exalta e vê como uma construção cultural e único motivo para que pessoas vivam juntas e constituam família. Para Maria Berenice Dias, especialista em direito homoafetivo, o amor está para o direito de família assim como o acordo de vontades está para o direito dos contratos.
Me frusta ver nas mídias sociais o quanto foi distorcida esta decisão histórica a favor da união estável entre homossexuais. Esta posição do judiciário que mudará para sempre a história dos nossos tribunais e sociedade parece ser nada mais do que a vitória de uma rixa entre colegiais que brigam pelo lanche do recreio.
Reclamamos que o judiciário é atrofiado e cheio de rococós. Quando o Estado se manifesta LEGALMENTE observando as mudanças da sociedade, voltamos em uma máquina do tempo escancalhada para arguir novamente e hipocritamente o Cristo e transformamos lei em fé, que nada mais é do que uma escolha individual e não coletiva.
Espanta-me ver os grupos e indivíduos que defendem os homoafetivos alimentarem esta celeuma de “vencedores e perdedores,” ao invés de pegarem o embalo e lutarem pela tantas outras minorias que compõe o nosso todo. A luta, meus caros (e caras), está longe de acabar. Um cisma agora é retrocesso.
Se eu pudesse entrar nesta máquina do tempo e estar ali ao lado de Cristo durante o seu discurso, pediria a ele um pouco da saliva que curou aquele cego de Betsaída, para que nos fizesse abrir os olhos e ver além do óbvio. Pediria a ele também uma dose extra de AMOR, esta unanimidade que está nas linhas da Carta Magna e na fé, mas que parece estar perdida dentro de nós.
*Daniele Britto é jornalista